terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Histórias do povo da beira de um rio

Maria Inês Portugal
Janeiro de 2014
Costumo ler e escrever ao mesmo tempo. Confortos tecnológicos disponibilizados pelos escravos de Jobs. Gosto da modernidade. Escrevo para não morrer. Escrevo porque assim imagino-me conversando com mais gente. Driblo a solidão ou sou driblada pelo computador! Engano-me, crendo conversar com meus amigos velhos da aldeia.

Sei que neste momento estão confabulando na esquina da padaria. Uma esquina da cidade onde habito tem o nome  de “Boca Maldita”. Nos cafundós do Mato Grosso também tem uma esquina semelhante – é o “Senadinho”- onde o papo rola em torno do mensalão, preçodasoja, joaquimbarbosa, dacarnedoboi,  primeiradama. Nossa esquina da padaria precisa rapidamente ser batizada! Afinal é lá que os assuntos tomam consistência na aldeia.
Ai como eu queria saber!!! o que dizem os aldeões sobre as novidades publicadas pelo Bajona no “Aqui”? que assuntos foram os mais comentados? quem morreu? e a ponte? cai já ou resiste aos caminhões de areia molhada? Na aldeia é assim. Os assuntos correm pelas ruas, quebram nas esquinas e colorem a vida do povo.

quinta-feira, 21 de novembro de 2013



Preciosidades de um Caderno de Recordações



Maria Inês Portugal



              Perguntaram-me desde quando eu escrevia assim. Não entendi bem o que queriam dizer com o “assim”. Assim como? Assim, feio? Assim bonito? Talvez moderno? Pode ser antiquado? Claro! Truncado...
               Na dúvida joguei a culpa nos ombros de outrem. Confessei sobre os bons professores. Ensinavam de verdade, com responsabilidade. E exemplifiquei com o professor de português e latim da Escola Normal Dermeval Moura de Almeida. Nunca esqueci as angústias das segundas-feiras: “em meia hora, tema da redação: O Poste”.
            Sua benção, Professor Doutor Sebastião Trogo! Dê-me sua licença para compartilhar esta pérola. Guardei-a por 50 anos em um caderno de adolescência. Você compôs este poema para o Grêmio do Colégio.
Lembra-se?


quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Último Carnaval[1]

Maria Inês Portugal
-Ah! Maria! Que brincadeira foi esta?!

Corro pra a janela na busca de seu olhar.
Você é tão bonita Maria!
Você é faceira.
Você sempre foi a guapa, Maria.

Hoje no Paraíso foi festa.
Você chegou, imagino:
com o mesmo sorriso matreiro,
como quem não sabe de nada,
mas que sempre soube de tudo.

Na portaria, São Pedro
recebe e beija o estandarte.
- Você trouxe a fantasia, Maria?
Maria Guapa levou para o céu o carnaval
destituído de qualquer pecado original.

Aos pés do Cristo
que sorri com jeito de pai ,
nossos celestes  aldeões
acorrem e proclamam
- Seja bem vinda, Maria!

Você, humilde por demais,
capaz de procurar a cozinha,
fazer o café, servi-lo com frescor
a todos os santos, anjos e ao Pai
Impregnando a eternidade
com seu mesmo cheiro de amor.
.

 Na janela, ainda procuro o seu olhar brejeiro.
A aldeia amanhece vazia.
A cuíca chora. O tamborim silencia.
É carnaval, sem Maria!
Triste, só o sino da Igreja anuncia
Partiu para sempre a guapa Maria.

Cuiabá, domingo de Carnaval de 1998





[1] Publicado em primeira versão no “Rio Preto Notícias” 109 em abril de 1998. O coração de Maria Guapa explodiu naquele dia, quando se preparava para abrir o samba na aldeia.

quarta-feira, 2 de outubro de 2013


     A fonte das mulheres


Maria Inês Portugal

Título curioso. Sugestivo. Estimulante. Lembra origem, começo. Nascedouro ... de mulheres?
“A Fonte das Mulheres”  é o filme apresentado e saboreado pelo grupo de psicanalistas, psicólogos e afins, no Evento: Cinema e Psicanálise, no dia 28 de setembro, no Auditório do Colégio SEPAM – (http://eventocinemaepsicanalise.wordpress.com/ ) à Rua Santos Dumont esquina com Tiradentes  em Ponta Grossa-PR.  
Direção, Roteiro e Produção do filme é do romeno naturalizado francês Radu Mihaileanu, um especialista em história de destinos trágicos, ou melhor, no trágico destino da condição humana. O tema em discussão buscaria respostas para a famosa pergunta de Freud: AFINAL, O QUE QUEREM AS MULHERES?  Nas intervenções Celio Pinheiro e Sara Soriano – Psicanalistas e responsáveis pelo Evento, trouxeram Lacan, Bourdieu, Collete Soler, dentre outros.

domingo, 14 de julho de 2013

                       

                 O Menino do Chapéu                                                                  

                            Maria Inês Portugal      

Todo dia ele ficava ali.
Gostava de ver o subir e o descer das gentes pela rua. A quem passava ele cumprimentava esbanjando felicidade “B’a tarde, D Doralice!” “Bença, Sô Dá”. Assim era com o homem do pão, com as crianças da escola, com o povo da missa e as enfermeiras do hospital. O menino arrancava brincadeiras até dos soldados do quartel. Eles passavam e davam sinais de uma vida feliz. O menino sempre sorria e cumprimentava a todos. Divertia-se até com os burros de carga que passavam também. Uns, levavam o leite para a Companhia, outros arrastavam a lenha para entregar não sei bem onde. Os burros andavam em passo cadenciado, em fila, uns atrás dos outros. Refletiam uma aparente aceitação circunspecta. Assim, a vida se apresentava. Curiosa e intrigante para o menino eram umas cargas acondicionadas em tubos de taquara. Eram embaladas em folhas de bananeiras verdes. Muito mais tarde o menino aprendeu que assim transportavam os queijos preparados nas fazendas para vender na cidade.


***

sábado, 22 de junho de 2013


 

"Meu corpo me pertence e não é fonte de honra para ninguém."



Amina- 18 anos.

 

A lei do casamento para todos está incendiando a pátria dos Bleu-blanc-rouge. O país dividiu-se em dois e todos querem fazer valer seus pontos de vista. Filósofos e cientistas chegam a prognosticar uma nova Revolução Francesa para próximo. Enquanto as Femen continuam ameaçando o equilíbrio do mundo masculino, a jovem tunisina Amina é presa, por expor seus seios no Facebook com a frase: "Meu corpo me pertence e não é fonte de honra para ninguém." Perto dali, o Festival de Cinema de Cannes premia amores homossexuais. Enquanto o incêndio se espalha, leio um artigo que me revigorou também em mim, a reflexão sobre este assunto.

quinta-feira, 30 de maio de 2013

O dia em que minha aldeia foi bombardeada


Eu sempre tive uma relação de medo diante do rio Preto. A aparente tranquilidade das águas turvas, a delicadeza dos ruídos das águas lambendo as margens nunca me esconderam inimagináveis ameaças forjadas na infância, habitantes das profundezas do velho rio.

A periodicidade de sua enchente e a frequência de afogamentos assombrava-me. Hermínio, o casal de namorados – tantos foram os meus amigos que desapareceram na aparente candura daquelas águas. Em minha família o medo do rio é constante: cresci vendo meu avô debulhando o Rosário na esperança que Nossa Senhora intercedesse no movimento das águas invadindo seu quintal, ameaçando sua casa e sua família.