quinta-feira, 21 de novembro de 2013



Preciosidades de um Caderno de Recordações



Maria Inês Portugal



              Perguntaram-me desde quando eu escrevia assim. Não entendi bem o que queriam dizer com o “assim”. Assim como? Assim, feio? Assim bonito? Talvez moderno? Pode ser antiquado? Claro! Truncado...
               Na dúvida joguei a culpa nos ombros de outrem. Confessei sobre os bons professores. Ensinavam de verdade, com responsabilidade. E exemplifiquei com o professor de português e latim da Escola Normal Dermeval Moura de Almeida. Nunca esqueci as angústias das segundas-feiras: “em meia hora, tema da redação: O Poste”.
            Sua benção, Professor Doutor Sebastião Trogo! Dê-me sua licença para compartilhar esta pérola. Guardei-a por 50 anos em um caderno de adolescência. Você compôs este poema para o Grêmio do Colégio.
Lembra-se?


quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Último Carnaval[1]

Maria Inês Portugal
-Ah! Maria! Que brincadeira foi esta?!

Corro pra a janela na busca de seu olhar.
Você é tão bonita Maria!
Você é faceira.
Você sempre foi a guapa, Maria.

Hoje no Paraíso foi festa.
Você chegou, imagino:
com o mesmo sorriso matreiro,
como quem não sabe de nada,
mas que sempre soube de tudo.

Na portaria, São Pedro
recebe e beija o estandarte.
- Você trouxe a fantasia, Maria?
Maria Guapa levou para o céu o carnaval
destituído de qualquer pecado original.

Aos pés do Cristo
que sorri com jeito de pai ,
nossos celestes  aldeões
acorrem e proclamam
- Seja bem vinda, Maria!

Você, humilde por demais,
capaz de procurar a cozinha,
fazer o café, servi-lo com frescor
a todos os santos, anjos e ao Pai
Impregnando a eternidade
com seu mesmo cheiro de amor.
.

 Na janela, ainda procuro o seu olhar brejeiro.
A aldeia amanhece vazia.
A cuíca chora. O tamborim silencia.
É carnaval, sem Maria!
Triste, só o sino da Igreja anuncia
Partiu para sempre a guapa Maria.

Cuiabá, domingo de Carnaval de 1998





[1] Publicado em primeira versão no “Rio Preto Notícias” 109 em abril de 1998. O coração de Maria Guapa explodiu naquele dia, quando se preparava para abrir o samba na aldeia.

quarta-feira, 2 de outubro de 2013


     A fonte das mulheres


Maria Inês Portugal

Título curioso. Sugestivo. Estimulante. Lembra origem, começo. Nascedouro ... de mulheres?
“A Fonte das Mulheres”  é o filme apresentado e saboreado pelo grupo de psicanalistas, psicólogos e afins, no Evento: Cinema e Psicanálise, no dia 28 de setembro, no Auditório do Colégio SEPAM – (http://eventocinemaepsicanalise.wordpress.com/ ) à Rua Santos Dumont esquina com Tiradentes  em Ponta Grossa-PR.  
Direção, Roteiro e Produção do filme é do romeno naturalizado francês Radu Mihaileanu, um especialista em história de destinos trágicos, ou melhor, no trágico destino da condição humana. O tema em discussão buscaria respostas para a famosa pergunta de Freud: AFINAL, O QUE QUEREM AS MULHERES?  Nas intervenções Celio Pinheiro e Sara Soriano – Psicanalistas e responsáveis pelo Evento, trouxeram Lacan, Bourdieu, Collete Soler, dentre outros.

domingo, 14 de julho de 2013

                       

                 O Menino do Chapéu                                                                  

                            Maria Inês Portugal      

Todo dia ele ficava ali.
Gostava de ver o subir e o descer das gentes pela rua. A quem passava ele cumprimentava esbanjando felicidade “B’a tarde, D Doralice!” “Bença, Sô Dá”. Assim era com o homem do pão, com as crianças da escola, com o povo da missa e as enfermeiras do hospital. O menino arrancava brincadeiras até dos soldados do quartel. Eles passavam e davam sinais de uma vida feliz. O menino sempre sorria e cumprimentava a todos. Divertia-se até com os burros de carga que passavam também. Uns, levavam o leite para a Companhia, outros arrastavam a lenha para entregar não sei bem onde. Os burros andavam em passo cadenciado, em fila, uns atrás dos outros. Refletiam uma aparente aceitação circunspecta. Assim, a vida se apresentava. Curiosa e intrigante para o menino eram umas cargas acondicionadas em tubos de taquara. Eram embaladas em folhas de bananeiras verdes. Muito mais tarde o menino aprendeu que assim transportavam os queijos preparados nas fazendas para vender na cidade.


***

sábado, 22 de junho de 2013


 

"Meu corpo me pertence e não é fonte de honra para ninguém."



Amina- 18 anos.

 

A lei do casamento para todos está incendiando a pátria dos Bleu-blanc-rouge. O país dividiu-se em dois e todos querem fazer valer seus pontos de vista. Filósofos e cientistas chegam a prognosticar uma nova Revolução Francesa para próximo. Enquanto as Femen continuam ameaçando o equilíbrio do mundo masculino, a jovem tunisina Amina é presa, por expor seus seios no Facebook com a frase: "Meu corpo me pertence e não é fonte de honra para ninguém." Perto dali, o Festival de Cinema de Cannes premia amores homossexuais. Enquanto o incêndio se espalha, leio um artigo que me revigorou também em mim, a reflexão sobre este assunto.

quinta-feira, 30 de maio de 2013

O dia em que minha aldeia foi bombardeada


Eu sempre tive uma relação de medo diante do rio Preto. A aparente tranquilidade das águas turvas, a delicadeza dos ruídos das águas lambendo as margens nunca me esconderam inimagináveis ameaças forjadas na infância, habitantes das profundezas do velho rio.

A periodicidade de sua enchente e a frequência de afogamentos assombrava-me. Hermínio, o casal de namorados – tantos foram os meus amigos que desapareceram na aparente candura daquelas águas. Em minha família o medo do rio é constante: cresci vendo meu avô debulhando o Rosário na esperança que Nossa Senhora intercedesse no movimento das águas invadindo seu quintal, ameaçando sua casa e sua família.

Rua Sebastião Clementino ou rua de baixo


 

Certos homens nascem, crescem e morrem sem deixar nenhum sinal de sua passagem na Terra. Outros funcionam como um baú onde se acumulam lembranças, onde se guardam desejos, se concentram as mais variadas possibilidades. Estes são fundamentais. Eles concentram as essências de vida. Ajudam a firmar a identidade e as realizações de um povo - do seu povo.

Tornam-se monumentos, viram nomes de rua, prédios e gozam até a eternidade da simpatia popular. Já disseram que é uma maneira delicada de se esconjurar o esquecimento depois da morte e evitar o desaparecimento na noite dos tempos. Assim tratamos nossos ídolos- heróis ou mártires.

quarta-feira, 29 de maio de 2013

Maria Eugênia ou diálogo com meus mortos.


- Joga pedra, Chico!
-Cuidado. Olha o porrete na mão dela!
- Certin, certin! Corre molecada!
 -Meninada tem medo? Precisa ter medo, não. Certin, certin!

 
Maria Eugênia era Professora, Formada, Nomeada...  Certificado com letras maiúsculas, em escrita gótica. Assim se diplomavam as meninas da Escola Normal.
Maria Eugênia era um diamante negro. Certin, certin! Brilhava, assim como seu diploma gótico, afixado no casebre de sapé lá no alto da ladeira do Cavaco.